Vivemos em um mundo de rupturas onde cada vez mais nos afastamos de nossos propósitos e acabamos perdendo a conexão com os outros. As crises que assolam diversos países mostram que o caminho para mudança não é apenas físico e sim comportamental. Mas como mudar a forma de fazer as coisas considerando a urgência pela tomada de ações efetivas, a necessidade latente de mudança e a complexidade das relações humanas?
A Teoria U começou a ser desenvolvida em 1996 no MIT (Massachusetts Institute of Technology) por Otto Scharmer, Peter Senge e Joseph Jaworski, quando criaram o conceito chamado “presencing” (uma mistura de “presence”, presença, e “sensing” sentindo.) Descrito como a habilidade de sentir e trazer ao presente o melhor futuro potencial de alguém.
Otto Scharmer, com o apoio de seu colega de MIT, Peter Senge, expert em gestão da mudança e conceituado autor do livro “A quinta disciplina”, estudou durante anos os processos de mudanças organizacionais visando ajudar as organizações a lidarem com seus problemas a partir de um pensamento sistêmico. O conceito ganhou o mundo a partir do lançamento de seu livro “Teoria U” em 2009. Scharmer é um verdadeiro apaixonado pelo seu trabalho, em 2015 recebeu o prêmio Jamieson pela excelência em ensino no MIT, e em 2016 foi considerado um dos 30 melhores profissionais de educação no mundo pelo Globalgurus.org.
A teoria U é considerada uma tecnologia social, para conectar indivíduos, empresas e toda a sociedade. É uma metodologia de inovação que propõe uma jornada representada graficamente no formato de um “U”. Para percorrer esse caminho é preciso considerar 3 premissas básicas: Mente aberta, Coração aberto e Vontade aberta ou “open will” no seu conceito original. Colocando de forma simples, deve se levar em consideração que o ato de fazer, de realizar uma ação é consequência de um alinhamento com seus valores e sentimentos (coração) que tem o potencial de ser altamente transformador se incorporado com a mente aberta a novos olhares sem filtros ou pré-julgamentos. Ou seja, cabeça, coração e mãos devem trabalhar em favor de uma mesma direção. Pode parecer fácil, mas já parou para pensar como isto não é tão simples assim? É comum nossos pensamentos nem sempre estarem associados com o ato de fazer, ou ainda, fazemos coisas que muitas vezes não correspondem ao que estamos sentindo.
Imagine a letra “U” como um percurso, as 3 primeiras fases são de descida: Suspender, Direcionar e Deixar ir. Aqui o objetivo é questionar seus próprios modelos mentais, saber ouvir verdadeiramente, desabilitar filtros, observar e sentir a realidade e interagir com o seu eu mais profundo. A base do “U” é o ponto de transformação onde está o conceito do “presencing”, ou seja a habilidade estar presente, de se conectar, sentir e descobrir o propósito. E assim a subida deste percurso sinuoso é acompanhada por mais 3 fases: Deixar vir, Decretar a lei ou cristalizar e Incorporar. É nesta hora que as ideias e possibilidades surgem e podem ser integradas, hora do alinhamento e começo da fase de prototipação para dar vida às soluções.
Pode parecer complexo quando se descreve cada fase e difícil de entender sua aplicabilidade no dia a dia. Mas começar a aplicar alguns conceitos da Teoria U é mais simples do que se imagina. Fazendo cursos sobre o tema e conversando com várias pessoas, aprendi que para entender o que é a teoria não basta ler sobre o assunto, precisa vivenciar. E uma dica para entender melhor como funciona isso é avaliar um dos pontos essenciais nesta metodologia: a sua escuta.
É impressionante como a maior parte do tempo que estamos escutando algo, não estamos absorvendo nada novo. Simplesmente porque não sabemos ouvir verdadeiramente. A Teoria U propõe 4 níveis de escuta. O primeiro chamado de “downloading” se dá quando você escuta somente o que você já sabe, reconfirma sua opinião ou julgamento. No segundo nível chamado de escuta factual, você nota algo diferente e descobre alguma coisa nova que vem de fora do ambiente em que está acostumado. A escuta empática é o terceiro nível, quando você se coloca na posição de enxergar as coisas pelo olhar da outra pessoa. Já o quarto nível, chamado de escuta generativa, requer uma conexão muito maior entre emissor e receptor da mensagem em um espaço de colaboração e co-criação. São principalmente nos níveis 3 e 4 que os ouvidos deixam de ser a parte mais importante do processo de escuta e abrem espaço para a mente e o coração. Cria-se um ambiente onde as ideias fluem de maneira coletiva e os pensamentos se convergem dentro de um único objetivo. Faça o teste, e durante 1 semana observe a forma que está ouvindo, se auto avalie e preste atenção na sua conexão com a outra pessoa.
O interessante da teoria “U” é que ela ajuda as pessoas a se transformarem antes de mudarem o ambiente, a situação ao seu redor ou resolverem o problema. É exatamente o processo de autodescoberta que gira a alavanca necessária para a mudança do propósito em questão.
No mundo cada vez mais egoísta em que vivemos, essa é uma oportunidade de inovar trazendo soluções colaborativas e co-criadas em um ambiente em que todos mergulham na mesma jornada. Valorizando o seu eu individual e trazendo soluções criativas para o coletivo.
No Brasil há exemplos de aplicação da Teoria “U” nas mais diferentes frentes. No ambiente corporativo empresas estão utilizando as ferramentas disponíveis para inovar em seus processos e propor novos projetos, aumentando sua produtividade e gerando um maior engajamento de colaboradores. No meio acadêmico universidades conceituadas como a Fundação Getúlio Vargas possuem grupos de estudos em Teoria “U” e conversam sobre a possibilidade de terem cursos focados no assunto. A quantidade de Hubs que começaram a receber interessados em praticar as ferramentas propostas pela metodologia duplicou no último ano. Alguns hubs estruturaram pequenos cursos específicos e facilitam sessões práticas trazendo atividades e ferramentas ligadas a teoria. Algumas pessoas já aplicam a teoria em seus processos coaching. Consultorias aplicam suas ferramentas em oficinas e treinamentos. Organizações do terceiro setor começaram a criar laboratórios de inovação em projetos sociais utilizando a metodologia da teoria “U” como base. E visando alcançar um número cada vez maior de adeptos a plataforma de cursos gratuitos EDX, em parceria com o MIT, lançou o curso U.lab: Leading from the Emerging Future, que desde 2015 já contou com a participação de mais de 75.000 pessoas de 183 países. Para quem quiser saber mais sobre isso, está disponível em português o livro “Teoria U” de Otto Scharmer, e a próxima edição do curso pela plataforma da EDX está programada para iniciar em setembro deste ano.
Referências:
https://www.edx.org/
https://www.presencing.com/
http://www.ottoscharmer.com/
www.huffingtonpost.com/otto-scharmer
por Giuliana Preziosi
Palestrante e Sócia da Consultoria Conexão Trabalho
www.giulianapreziosi.com.br